sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

L'ambiente*


Ontem, para execração dos ecologistas e até ao arrepio da minha própria consciência ambiental, fui de carro à estação de metro da Trinità, Palermo, logo Porto. Ora, se no plano teórico esse acto se nos afigura como um evidente e chocante absurdo; na prática, surge quase como uma inevitabilidade dada a distância considerável que separa a minha casa da estação de metro mais próxima. E, acreditem, a decisão pelo automóvel como solução final para a minha deslocação ao centro da cidade não foi nada fácil, uma vez que, perante todas as hipóteses (metro, autocarro, táxi, carro, helicóptero ou fechar-me em casa), as probabilidades, hoje medonhamente altas, de vir a ser vítima do crime da moda, o carjacking, criaram em mim a semente da dúvida, apenas superada (extirpando-a das entranhas) pelo recurso lynchiano da meditação transcendental. Cheguei à conclusão: mas isso só se passa no Rio de Janeiro… perdão, Lisboa!
Bom, deixando-me de tergiversações e de divagações inanes, desloquei-me à Stazione della Trinità porque aí decorria, por organização da empresa Metro de Palermo… perdão, do Porto, a Festa do Livro: uma tenda montada junto à estação de metro que alberga centenas de títulos com descontos que, na maioria dos casos, ultrapassa e muito a metade do preço normal de venda.
Para meu grande choque, confirmei de forma inequívoca a tese do
ambiente miasmático em que tudo se passa, o tal milieu palérmico. Encontrava-me a meio da pesquisa bibliográfica no interior da tenda alva, situada nas traseiras da Câmara do Porto (a irredutível, sendo o último bastião portuense que pugna pela tolerância, liberdade de expressão e espírito de iniciativa) quando sou despertado por um grito a puxar ao uivo perpetrado por uma senhora que apanhou em flagrante delito um ladrão de livros que, prontamente, se esgueirou da tenda com o produto roubado aconchegado no seu pullover (em palerminês). A funcionária, aturdida não tanto pelo roubo, como pelo grito burlesco da senhora (que talvez seja membro efectivo de uma milícia urbana ou de uma organização paramilitar de donas de casa comprometidas com o miasma camorrista), não conseguiu apanhar o meliante, até porque se encontrava sozinha, disse. Mas o choque final estava ainda para vir, à pergunta da funcionária qual o livro que o patifório havia subtraído da tenda de natal, a freguesa miliciana disse: «Foi este. O do Pinto da Costa.»
A funcionária respondeu: «Oh, pronto, se foi o do Pinto da Costa, menos mal…» [risos de orgulho tripeiro da restante freguesia, em que me incluía, embora esquecendo ou descurando o atentado à propriedade intelectual pelos royalties que JNPC deixou de receber]**.

Estamos no tal meio onde vigoram a impunidade e a harmoniosa coabitação com o crime, para além, é claro, do terror dos Super Dragões, do FC Porto e do JNPC, e o medo de corporações como o PS, os Juízes, os procuradores, os inspectores da Polícia Judiciária, todos do Porto, e isto no país dos “furacões”, das passerelles, da pedofilia, do carjacking, dos carros armadilhados, dos neonazis do PNR que militam nas claques lisboetas… e até já há
jornais de tendência cazaquistanesa.

Notas:
* Título em italiano, língua oficial de Palermo.
** O caso relatado na Festa do Livro na Trindade é verídico. Ocorreu ontem, pelas 15 horas. Eu fui testemunha ocular dos eventos subsequentes à subtracção livresca.

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