«Na verdade, partindo da interpretação que faço do desafio lançado pelo manuel, os livros que não mudaram a nossa vida são aqueles que nos defraudaram nas expectativas sobre eles criadas. Quanto aos outros, pura e simplesmente nos esquecemos deles.»
Este é um excerto de um texto interpretativo escrito pelo Henrique no seu Insónia, e com ele anulou-se, por conformidade absoluta, a necessidade por mim sentida de elaboração de um exórdio sobre o mais recente, e incandescente, assunto da blogosfera: o já célebre desafio do manuel a. domingos, os «10 Livros que Não Mudaram a Minha Vida».
No limite, reduzindo o assunto aos píncaros do risível, poderia afirmar que não houve livro que não tivesse mudado a minha vida. Com todos gastei tempo, com a esmagadora maioria fiquei financeiramente mais pobre – excluindo o valor actual do bem (livro) e da avaliação do seu valor intangível através da sua julgada qualidade literária, que compensem o seu valor de aquisição –, com todos houve, se quisermos, um custo de oportunidade, enquadrável na macroteoria do célebre trade-off trabalho/lazer, da qual resulta a noção de felicidade plena, alcançável por uma combinação óptima dos factores. A beleza da coisa advém da infinitude de combinações óptimas, normal e tristemente subsumidas na agregação dos óptimos individuais num óptimo social, normalmente gerado e controlado por uma elite – e por aqui concluo, aproximar-me-ia perigosamente de Pareto e dos seus princípio e equilíbrio e teria, então, de entrar na inevitabilidade da abordagem da massificação cultural e da entropia social…
De regresso ao tema…
Quando J. Peder Zane convidou 125 escritores para se pronunciarem sobre os seus dez livros preferidos, o resultado final não surpreendeu, respeitou-se o cânone literário da cultura ocidental: 1.º Tolstoi – Anna Karénina; 2.º Flaubert – Madame Bovary; 3.º Tolstoi – Guerra e Paz; 4.º Nabokov – Lolita; 5.º M. Twain – As Aventuras de Huckleberry Finn; 6.º Shakespeare – Hamlet; 7.º F. Scott Fitzgerald – O Grande Gatsby; 8.º Proust – Em Busca do Tempo Perdido (obra completa); 9.º Tchékhov – Contos; 10.º George Eliot – Middlemarch.
Simultaneamente, o autor do livro convidou os cibernautas a postarem as suas preferências. O resultado – livros mais citados – foi: 1.º Tolstoi – Anna Karénina; 2.º F. Scott Fitzgerald – O Grande Gatsby; 3.º Nabokov – Lolita; 4.º Dostoievski – Crime e Castigo; 5.º Harper Lee – Por favor, não matem a cotovia; 6.º Lee K. Abbott – All Things, All at Once; 7.º Tolstoi – Guerra e Paz e Joyce – Ulisses; 9.º Vonnegut – Matadouro 5; 10.º Dostoievski – Os Irmãos Karamazov.
Descubra as diferenças.
Venceu o cânone. Embora, verdade seja dita, a essa escolha jamais seria aposta qualquer tipo de objecção ou enunciada como objecto de execração e de chacota, se essa informe, impura e torpe mole humana, lida nos grandes números numa tabela de totais, houvesse cometido a ousadia de o derrogar. Plebeísmos… que horror!
Porém, o Francisco e o Eduardo são escritores – que diabo! –, a doxa literária, sempre tão atenta e pronta para a vozearia, rebelou-se de imediato. Confunde-se destreza literária com enlevação estética, reconhecimento da valia de uma obra com o grau de inebriamento por ela induzido. Em suma, mistura-se cientificidade com gosto pessoal.
Da cientificidade pouco tenho a dizer, não tenho formação que me permita avaliá-la. No que diz respeito ao gosto pessoal são-me permitidos o debate livre e a eventual dissonância, jamais a condenação.
Antes de terminar, chamo de novo a atenção para a série de ensaios dialogantes do Luís Mourão, sob o título de "Os que não mudaram" – um exercício elegante e prodigioso de discussão literária.
Por fim, seguindo o espírito e não a letra do desafio do Manuel, indicarei as obras de dez autores que quase idolatro, cujo título correspondente foi a excepção no elevadíssimo grau de encantamento que me instigou o conjunto da obra:
- Bret Easton Ellis – Lunar Park (Lunar Park, 2005);
- Don DeLillo – O Corpo Enquanto Arte (The Body Artist, 2001);
- Enrique Vila-Matas – Doutor Pasavento (Doctor Pasavento, 2005);
- Ian McEwan – O Inocente (The Innocent, 1990);
- John Updike – O Terrorista (The Terrorist, 2006);
- Paul Auster – A Noite do Oráculo (The Oracle Night, 2003);
- Salman Rushdie – Shalimar, O Palhaço (Shalimar, The Clown; 2005);
- Saul Bellow – Ravelstein (Ravelstein, 2000);
- Vladimir Nabokov – Riso na Escuridão (Kamera Obskura, 1938);
- W. G. Sebald – Austerlitz (Austerlitz, 2001).
Nota – ainda está para aparecer um título de Philip Roth…
3 comentários:
também me desafiaram, mas não sei, não consigo e não arrisco escolher tantos livros. porque há sempre qualquer coisa que fica, que emerge, que regressa.
subscrevo por isso esta análise ao desafio por joão barrento: "(...)muitos livros estão permanentemente a fazer a minha vida. Nem sei quantos. Todos os que li – e, naturalmente, os que não li. E continua a ser assim. Ponto final."
Viva, meu caro António.
Concordo contigo e com a análise (sempre lúcida) do João Barrento.
Apenas escolhi os menos bons, livros que me frustraram de alguma forma, de entre 10 escritores que me dizem muito. Dos mauzinhos é bom nem falar...
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