quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Um Pecado Sinonímico


Levantou-se o habitual alarido na imprensa lisboeto-espalhafatosa – mas há-a de outro tipo? A dos bas-fonds do poder – quando o sujeito passivo da epinotícia é o Governo ou as suas instituições, e o activo um dos seus elementos mais próximos.
Na TVI o episódio mereceu maior destaque, em minutos, que a derrapagem nos números de (de)crescimento do PIB ou de acréscimo na taxa de desemprego. No Público gastaram-se 1.700 caracteres para dizer, logo no seu título, que «Ex-secretário de Estado avisa que vai mandar o fisco “tomar no cu”».
A mim preocupa-me apenas a expressão. Eu teria dito “apanhar” ou “levar”, é mais rasteirinha, bem mais portuguesa, vernacular. Mas sendo o Francisco um homem ecuménico por natureza, tão lido por nós, os do rectângulo, como pelos nossos irmãos do outro lado do Atlântico, desculpa-se o “tomar”; e este, é o único pecado detectável no seu texto, venial, apenas susceptível de causar algum tipo de proctalgia aos mais sensíveis.
“Cu” também goza de um riquíssimo campo semântico, mas adequa-se ao contexto, embora “olho” se encaixasse melhor neste baixo ciclópico país, terra em que os dois de cima, há muito, deixaram de ver, e como em tempos disse Vasco Pulido Valente, os que tinham um e poderiam ser reis, tiveram de o vazar, porque a mediocridade reinante a cada esquina não permite esse arrojo.
No entanto, é urgente resolver outra questão que, por analogia, pode traduzir-se em ineficácia fiscalizadora: como será possível mandar esses zelosos e temerários fiscais tomar, apanhar, levar no cu (perdoem-me a exergásia), se quem tem cu tem medo?

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Traições e Engano



Já anda por aí um novo velho livro de Roth, o Philip – embora duvide e suplique para que essa dúvida tenha razão de ser, sim, é o tal que anunciou ao mundo que terminou o seu período de escrita com o maravilhoso Némesis –, o livro intitula-se Engano e não é um equívoco se nos aflorar da mente que já o vimos por terras de Portugal, traduzido na nossa língua: pois, chamava-se Traições, numa versão em capa floreada.
Deception é uma novela de Roth originalmente publicada em 1990 e traduzida em Portugal, no ano seguinte, por Filomena Andrade e Sousa para a Bertrand. Agora, o livro reedita-se com Engano pela Dom Quixote, com tradução de Francisco Agarez, acompanhado de um preço inacreditável de 16,90 euros (dispõe de 208 páginas, mais 32 que a edição da Bertrand, dando-se o facto curioso de que a narrativa de ambos se inicia, precisamente, na mesma página, a 9 – faz-se render o peixe com letra de corpo... Gobern).
Quando em Maio do ano anterior a Dom Quixote iniciou, ao que parecia, a publicação da opera omnia do escritor de Newark, com o aparecimento do fabuloso Goodbye, Columbus (a primeira obra de Roth; publicada em 1959), tudo parecia indicar que se seguiria a tradução do 1.º romance do autor, Letting Go de 1962, seguindo-se o 2.º – e o único cujo protagonista é uma mulher – When She Was Good de 1967.
Pura ilusão.
Note-se, não sou contra a repetição de traduções. Por vezes, a repetição consegue inculcar-nos outra perspectiva da obra que outrora lêramos e de cuja leitura fixáramos doutrina – sem ler o original, não sabemos se por diminuição ou aumento da traição do traduttore. Porém, sou contra o desperdício de traduções sempre que se verifiquem estas duas condições em simultâneo: (1) obras que já existem aceitavelmente traduzidas no mercado nacional e (2) quando grande parte da obra do autor em questão – e neste caso, quase unanimemente considerada como brilhante – ainda não se encontra editada na nossa língua – há um apagão luso de Roth entre 1962 e 1990, com a excepção de O Complexo de Portnoy de 1969 (Portnoy's Complaint).

Para efeitos comparativos o bom, o mau e o vilão (o original, a perda na tradução, e a tradução, já de si perdida, e agora desperdiçada segundo a minha impugnável reflexão – carregar na imagem para a ampliar):