Não falarei, nestas breves palavras, de Lanthimos e do seu
alegórico Kynodontas (2009), embora o burlesco sirva de alicerce à eleição da
fidelidade como valor absoluto de uma sociedade iconoclasta, que, todavia, se
verga e anula, embargando a razão, perante o adjectivo: fiel. Palavra que me atemoriza
mais do que me deixa nauseado, no que ela tem – num crescendo na escala de
sordidez – de constância, de obstinação e de irredutibilidade, em suma, de um
reaccionarismo bacoco.
Gostaria de trazer Rio à colação. Esse homem de cuja minha
cidade, enfim, se liberta: o deificado gerente/merceeiro municipal – e a
categoria profissional já o beneficia – de uma fidelidade canina perante a
imagem da sua eminência, da sua rara inteligência, reflectida no espelho da sua
soberba. Falar sobre a sua colagem ao mediático, à corrente de opinião
diariamente emitida por esta nova raça de lapidadores do século XXI chamada de
politólogo – nas variantes de comentador laureado ou de especialista bem
avençado –, concebida nos laboratórios das redacções, engajada, com fidelidade,
no argumentum ad hominem dirigido ao mais vulnerável, àquele que foi submetido
a uma inclemente e massiva saraivada de flechas envenenadas com o objectivo,
seguindo a cartilha goebblesiana (talvez, pela actualização temporal, ficasse
melhor: fundados na frutuosa fidelidade norte-coreana), de aniquilar o seu carácter
por maquiavelismo, sadismo, ou ambos. Na falta de Relvas (que até teve a sua
dose de merecimento), houve Álvaro. Esquecido Álvaro, há Maria Luís, mais o apaniguado
Secretário de Estado. Quando esta passar, virá (bom, já veio, pela boca perdigotosa dos guardiões da moral nacional, quase todos barbudos e barrigudos) o Machete, corta cerce! Ah, a rasoira politóloga…
a bem da Nação (leia-se dos seus bolsos engordados por linhas editoriais que,
falando de mansinho como a Ana Lourenço, vão mexendo os peões no jogo sujo dos
amamentados pelo Estado.)
Mas a canino-fidelidade teve na semana passada um episódio
mais triste, que só corrobora a necessidade de a relativizar, para que alguma
sanidade volte às nossas vidas – e não se me revolvam as tripas sempre que abro
o jornal ou tenho o azar de passar pelos canais-viveiro de fiéis politólogos,
comentadores e guias espirituais, e o seu dictat venal. Aquela história do cão Zico/Mandela, que matou uma criança, é tão sórdida, tão descentrada da realidade, fiel
representante de uma nova vaga de um radicalismo liberal – fundando no pseudo-cosmopolitismo
libertário que chega a ver o seu extremo: a ditadura e a vileza do politicamente
correcto –, que em mais não se consubstancia que num retrocesso civilizacional. A insanidade
apoderou-se desta gente e corporiza-se no (santo) nome escolhido para o cão que
abocanhou a cabeça de uma criança, matando-a.
Tudo isto enquanto a saloiada Espírito Santo brinca aos pobrezinhos na Comporta.