terça-feira, 3 de novembro de 2009

IMPAC 2010

[Há pelo menos três anos que este texto se vai repetindo, como a biblioteca borgiana, tendendo para um infinito – se me julgasse eterno… –, apenas com algumas alterações numéricas que, muito ao jeito do pragmatismo anglo-saxónico, se constrói pelo emprego do método “fill in the blanks”. Tentarei, porém, mudar alguma coisa. Nem que seja uma vírgula, uma palavra pelo seu sinónimo directo (ou até por um erro ortográfico grosseiro, um obstinado apelo à atenção do leitor), vários pontos de exclamação (tão vituperados, ultimamente, ó símbolo viril; tratados como proscritos e condenados à chama com poder calorífero decerto superior a 451ºF onde jazem as cinzas das “reticências”, do “ponto e vírgula” e do “travessão”). Basta! Enfim…]

Ontem, foi anunciada a lista dos semifinalistas do International IMPAC Dublin Literary Award. A lista deste ano é constituída por 156 romances (mais 10 que em 2009) de outros tantos autores.
Nesta primeira fase de selecção intervieram 163 bibliotecas (mais 10), espalhadas por 123 cidades (mais 6) de 43 países (menos 4) de todos os cantos do mundo.
Segue-se, agora, uma 2.ª fase, a cargo de um júri pré-seleccionado constituído por cinco elementos, e presidido por um sexto sem direito a voto, neste caso é o famoso juiz/escritor norte-americano Eugene R. Sullivan (tal como no ano passado). A primeira tarefa do júri é desbastar a lista inicial, seleccionando aproximadamente dez obras que integrarão a lista de finalistas, cuja divulgação está marcada para o dia 14 de Abril de 2010.
Escolhidos os finalistas, atinge-se a 3.ª e última etapa, que consiste na eleição da obra vencedora dos cem mil euros em jogo que reverterão na íntegra para o autor, no caso de a obra seleccionada ter sido publicada originalmente em língua inglesa, ou serão repartidos numa proporção de ¾ para o autor e ¼ para o tradutor nos outros casos – note-se que das 156 obras seleccionadas este ano, 41 foram traduzidas para o inglês. O vencedor do IMPAC Award de 2010 será anunciado no dia 17 de Junho de 2010.
A curiosidade deste prémio reside precisamente nestas duas fases distintas de selecção, onde há a intervenção de especialistas de dois níveis distintos: bibliotecários, na 1.ª fase, e autores, críticos, editores e gente das letras nas duas últimas fases.
As regras para as bibliotecas seleccionadas através de candidatura previamente elaborada são bastante simples:
- O Dublin City Council, através da administração das bibliotecas públicas da cidade de Dublin recebe uma lista de obras de ficção nomeadas por responsáveis de bibliotecas espalhadas pelas capitais e principais cidades de países de todo o mundo.
- Cada biblioteca pode nomear até 3 obras de ficção que apenas têm de obedecer a uma condição: a sua publicação em língua inglesa.


Para o prémio de 2010 só poderiam ser nomeadas:
- Obras originalmente publicadas em inglês durante o ano de 2008;
ou,
- Obras originalmente publicadas noutra língua entre o quadriénio 2004/2008 e que hajam sido publicadas em inglês durante o ano de 2008.
Para o prémio de 2010, destacaram-se dez obras que obtiveram mais de cinco votos (entre as quais constam oito que já foram publicadas em Portugal, curiosamente, apenas distribuídas por 3 editoras: 4 da Presença, 3 da Bertrand e 1 da Dom Quixote), no total dos 300 votos exercidos (para um máximo de 489 votos) pelas 163 bibliotecas (1 biblioteca – 3 obras diferentes; 1 obra – 1 voto). Lidera a lista o Booker Prize de 2008:
  • 9 votosAravind Adiga, O Tigre Branco (ed. port. Presença, The White Tiger); 
  • 8 votos (3 obras)Muriel Barbery, A Elegância do Ouriço (ed. port. Presença, L’Élégance du hérisson); Sebastian Barry, Escritos Secretos (ed. port. Bertrand, The Secret Scripture); e Toni Morrison, A Dádiva (ed. port. Presença, A Mercy); 
  • 7 votos (2 obras)Joseph O'Neill, Netherland: Terra de Sombras (ed. port. Bertrand, Netherland); e Steven Galloway, O Violoncelo de Sarajevo (ed. port. Presença, The Cellist of Sarajevo); 
  • 6 votos (4 obras)David Wroblewski, A História de Edgar Sawtelle (ed. port. Bertrand, The Story of Edgar Sawtelle); Philip Hensher, The Northern Clemency; Philip Roth, Indignação (ed. port. Dom Quixote, Indignation); e Tim Winton, Breath.
Seguem-se cinco obras com cinco votos, de onde destaco o romance magistral de David Lodge, A Vida em Surdina (Deaf Sentence) – até há bem pouco tempo figurava com 6 estrelas (Obra-Prima) neste blogue (ver coluna do lado esquerdo) onde fazia companhia a Thomas Mann; todavia, dada a excepcionalidade da classificação, foi reclassificado, tendo sido destronado por Updike. Esta obra de Lodge foi publicada em Portugal pela Asa, e é, sem sombra de dúvida, um dos melhores romances editados em 2009 no nosso país, um daqueles que me levou às lágrimas tanto pelas peripécias da vida de um erudito em perda irreversível do sentido da audição, como pelos momentos mais melancólicos onde, através do picaresco, perpassa uma ternura esteticamente comovente.
De notar, que, atendendo ao historial deste prémio, toda a estatística que atrás despejei, no essencial as que incluem as obras com o maior número de nomeações, pode revelar-se apenas como mera indicação ou mero mostruário para não retirar o sentido lúdico (maníaco?) ao evento, ou seja, sem força vinculativa para a escolha dos finalistas e do vencedor a ocorrer no próximo ano. A palavra final cabe sempre ao júri seleccionado, podendo eleger como vencedor uma obra que, no limite, tenha obtido apenas uma nomeação (1 voto). Aliás, se atentarmos nos vencedores dos quatro últimos anos, verificamos que o vencedor de 2009, o bostoniano Michael Thomas, pela sua obra Man Gone Down, foi nomeado apenas por 1 biblioteca nos Barbados; tal como ocorreu com o vencedor de 2008, o autor canadiano-libanês Rawi Hage, Como a Raiva ao Vento (De Niro's Game), nomeado apenas por 1 biblioteca e conterrânea, a Winnipeg Public Library, no Canadá; enquanto o vencedor de 2007, o norueguês Per Petterson, com o admirável romance Cavalos Roubados (Ut og stjæle hester), foi nomeado somente por 2 bibliotecas, e ambas norueguesas; porém, em contraste com os seus sucessores, o vencedor de 2006, Colm Tóibín, com a sua inolvidável obra semi-ficcional sobre parte da vida de Henry James, O Mestre (The Master), foi previamente nomeado por 17 bibliotecas espalhadas pelo mundo.
Será ainda de notar que, pela primeira vez na curta história dos IMPAC Awards, foram nomeadas duas obras distintas pertencentes a um casal literário – e, diga-se, bastante famoso no mundo das letras –, ambas editadas pela Asa [fonte: Miguel Seara]: 
  • Paul Auster, pelo seu penúltimo romance Homem na Escuridão (Man in the Dark) – 4 nomeações (Alemanha, Áustria, Bélgica e Itália); 
  • Siri Hustvedt, por Elegia para um Americano (The Sorrows of an American) – 3 nomeações (Bélgica, Espanha e Noruega).

Finalmente, três destaques, por razões diversas para três autores:
  • o ateu literalista (com falta de divino, não consciente) José Saramago foi nomeado pela Miami-Dade Public Library (Florida, EUA) pelo seu romance As Intermitências da Morte;
  • o autor brasileiro Milton Hatoum foi nomeada por uma biblioteca brasileira pelo seu romance Cinzas do Norte;
  • o sofrível romance do perseguido autor indo-britânico Salman Rushdie, A Feiticeira de Florença (ed. port. Dom Quixote; The Enchantress of Florence) recebeu apenas 1 nomeação (da Kansas City Public Library, Minnesota, EUA).
    Para terminar,deixo ficar a habitual referência ao comportamento eleitoral das nossas inventivas bibliotecas participantes. Uma vez mais, Portugal participou na referida 1.ª fase de nomeação através das suas duas habituais bibliotecas: a Biblioteca Pública Municipal do Porto (BPMP) ao jardim de São Lázaro e a Biblioteca Municipal Central de Lisboa (BMCL), situada no Palácio das Galveias – pouco chauvinistas, ao que parece… 
    BMCL: 
    • José Eduardo Agualusa, As Mulheres do meu Pai (Dom Quixote) – 2 nomeações; 
    • José Rodrigues dos Santos, Codex 632 (Gradiva) – 2 nomeações; 
    • Toni Morrison, A Dádiva (ed. port. Presença; A Mercy) – 9 nomeações. 
    BPMP (este ano, ao contrário de outros, exerceu a totalidade dos 3 votos a que tinha direito, e finalmente não escolheu uma obra do escritor nova-iorquino, residente na Invicta, Richard Zimler): 
    • Aravind Adiga, O Tigre Branco (ed. port. Presença; The White Tiger) – 8 nomeações; 
    • José Eduardo Agualusa, As Mulheres do meu Pai (Dom Quixote) – 2 nomeações; 
    • José Rodrigues dos Santos, Codex 632 (Gradiva) – 2 nomeações.
      Para o ano, se SaraMago, ou deus, ou outra entidade por eles permitir, cá estarei para apresentar um texto quase automático com a listagem da 1.ª fase do IMPAC de 2011.