sexta-feira, 20 de julho de 2012

Kasdan


Um tipo aprende a gostar de um filme – you can’t always get what you want, com o London Bach Choir… Karen, JoBeth Williams, dá o mote para a celestial ironia que acompanha o caixão à sua cova –, incutido por um tio solteirão que, por haver nascido depois do tempo, completou os seus dezoito anos em pleno PREC, tarde para esfrangalhar os nervos no Ultramar, bem a tempo da fraternidade herbácea, do espírito comunitário e da promoção da propriedade pública conjugal, e do livro vermelho do camarada Mao, e depois espera, desespera e jamais alcança por outra coisa igual do idealista Lawrence, o Kasdan de um filme só*.
Eis que há algumas semanas regressou, e o meu espírito rememorativo trouxe uma esperança – será que é desta? Foi logo desfeita pelos medíocres fogachos entrevistos na tela através do anúncio da sua estreia iminente por cá, bem como na sua (má… destruidora) crítica, em que destaco esta de Nick Schager (Mick Jagger!?), com a lapidar e porventura enluvável frase que abre a sua recensão na Slant:
«A lost-dog drama so insufferable it makes one wish its human characters would also run off and never return […]»
E que desperdício: Dianne Wiest e Diane Keaton, pelas raparigas; Kevin Kline e Sam Shepard, pelos rapazes.
Olha a gravata e… passa, enquanto o polivalente David Frost, entre o furo do exsudativo e gravador (não, não esculpia lápides) Richard Nixon e o flower power, apresenta os Stones em estúdio… e depois fala com o Príncipe Carlos:




Nota: *Exagero para fins dramáticos, ainda que bem longe da hipérbole. Kasdan antes do Big JointChill, realizou o bastante aceitável e polémico Noites Escaldantes (Body Heat, 1981) – emparelhamento e harmonia perfeitos Turner/Hurt –, e escreveu para o ecrã o melhor Star Wars (O Império…) e o mais sério Indiana Jones (o da Arca), mas também rivalizou com o Gallo – não o Vincent, o azeite – no gorduroso O Guarda Costas (The Bodyguard, 1992), protagonizado por aquela dupla inolvidável: o Tony Carreira dos ecrãs made in Hollywood (que para além de não se limitar a guardar, também não ficou só pelas costas), e a personificação mais perfeita do Hoover – é tempo livre! – de Beverly Hills e arredores; dizem que não houve pó que lhe resistisse e, como há pouco tempo se provou, pulverizou-se no éter.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Defender o indefensável

Uma pequena amostra para o título deste texto pode ser testada no argumentário do crítico retro-palavroso da BBC Mark Kermode. Kermode na construção do seu novíssimo Film Club* escolheu Breathless (filme de 1983, realizado por Jim McBride, que em Portugal levou com o título de O Último Fôlego, talvez mais ajustado ao seu magnífico antepassado gaulês, que agora já ganhou raízes inextirpáveis como O Acossado) para a sua primeira fita – o que tu queres sei eu (daí a “fita”): gerar discussão.
Quem não se lembra deste filme? Era a sensação mediática do momento, em que eu, puto ladino, me introduzi à sorrelfa num das inúmeras salas de cinema que a minha cidade outrora possuía. Na altura Godard soava-me bem, mas deveria pertencer a uma qualquer corrente esotérica de alto coturno, apesar de reconhecer Truffaut (via Spielberg), embora desconhecesse que fora o autor  usurpado – do guião. Saí do cinema com uma irritação profunda pela semanada despendida com aquela banhada. É que na altura – e ainda despontava em mim o maniqueísmo tão adolescente – já não suportava aquele cabotino muito na moda apelidado de Gere, o que se agravou pela misérrima interpretação de uma francesa, para mim desconhecida e ainda hoje entre as brumas da cinefilia, de sobrenome Kaprisky. E todo aquele filme, a sua deplorável mise-en-scène
Mais tarde, muito mais tarde, no processo de refinamento do gosto pessoal, soube-o, porque vi o original produzido no alvor da Nova Vaga para comparação com o seu sucessor americano. Confrontei-o com o meu ainda existente caderno de apontamentos da era pré-púbere e notei que, apesar do momento de enjoo de antanho, houvera pecado mesmo assim por uma certa condescendência infantil. Belmondo/Seberg (Jean [ea=i], esta última, esse milagre tão bem construído pelos franceses) versus Gere/Kaprisky. Ou Godard versus McBride (literal: o filho da noiva). Nada importa para Kermode. São obras diferentes sobre o mesmo argumento. Concordo. Mas há limites, e o filme de 1983 é soberanamente mau. Mas o pecado da gula pela confrontação foi irresistível, e surgiu um segundo vídeo a comprovar isso mesmo. Kermode espalha-se ao comprido pelo inusitado exercício.
O indefensável arrazoado (as calças ao xadrez, a «majestade resplandecente» de Gere em relação a Belmondo, sexo no chuveiro com Elvis e as Mentes Suspeitas, e pasme-se a arquitectura, numa comparação subentendida Los Angeles versus Paris, o que só confirma a estética de McBride em detrimento de Godard):



Entretanto, os primeiros críticos americanos a recensear o último bat-onanismo do Nolan, vêem-se de novo perseguidos pelos fãs do morcego Bale com os seus estrepitosos efeitos sonoros e flamejantes efeitos especiais que se fundem numa caldeirada pseudo-metafísica, antes sequer de o filme ter estreado. É a crítica ao crítico por antecipação**.
Prepara-te, Luís Miguel, se a tua recensão for similar às duas anteriores, vais levar com a geração “Produções Fictícias” em cima e com argumentos do quarto fechado

Notas: *O segundo filme escolhido por Kermode foi o pior e o mais escabroso de Lynch, um slapstick chamado Twin Peaks: Os Últimos Sete Dias de Laura Palmer (Twin Peaks: Fire Walk with Me, 1992).
**Para ficar a saber mais, ler na Slate um versão resumida dos últimos acontecimentos em «Batman Fans Go After Critics (Again)».