quarta-feira, 29 de setembro de 2010

PEN/Saul Bellow Award 2010

Merecido este prémio de carreira na ficção americana atribuído, na minha humilde opinião, ao melhor escritor da actualidade, Don DeLillo, curiosamente enquanto me vou deleitando com a leitura de As Aventuras de Augie March (The Adventures of Augie March), numa excelente edição da Quetzal, escrito em 1953 pelo excelso autor que deu o nome à distinção.
DeLillo, de ascendência italiana, nasceu no distrito do Bronx, na sua Nova Iorque, a 20 de Novembro de 1936: Submundo (Underworld, 1997; ed. port. Sextante), Ruído Branco (White Noise, 1985; ed. port. Presença / Sextante), Os Nomes (The Names, 1982; ed. port. Relógio D’Água), Mao II (1991; ed. port. Relógio D’Água), Libra (1988; ed. port. Presença) ou Cosmópolis (Cosmopolis, 2003; ed. port. Relógio D’Água) já mereciam esta distinção (romances ordenados de acordo com a minha preferência, deixando três de fora que já tive a oportunidade de ler, mas que conjugam mal com os acima referidos, pelo menor brilho – por ler, remanescem seis de um total de 16 romances já publicados pelo autor galardoado, os cinco primeiros da sua carreira, a que se junta o de Cleo Birdwell, não entrando em linha de conta com Point Omega, o seu último, publicado este ano e a ser editado nos próximos meses em Portugal).
Três dos quatro melhores romancistas norte-americanos contemporâneos vivos, seguindo as palavras proferidas num artigo de opinião de 2003 pelo erudito de Harvard, Harold Bloom (Philip Roth em 2007, Cormac McCarthy em 2009 e agora Don DeLillo), já receberam o prémio, neste momento fica em falta a sua atribuição a Thomas Pynchon, para se fazer o pleno dos “4 Grandes”, com o patrocínio do pai Bellow, o melhor deles todos.
Parabéns de um admirador portuense.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Tran Anh Hung

O seu nome assemelha-se a uma onomatopeia retirada das páginas coloridas de uma fantasia gráfica maniqueísta da DC Comics ou da Marvel; porém, no mundo mais restrito da cinefilia, onde remanescem alguns estouvados que insistem em despender alguns dos seus parcos recursos para conseguirem obter o acesso a cinematografias alternativas de forma a proporcionar o enchimento estético da retina, aquela onomatopeia aliterante há muito que vai servindo para identificar um notável realizador vietnamita, quase desconhecido do público português pela imperiosas leis do nosso mercado, oligarca por definição, tanto no circuito da distribuição e da exibição cinematográficas, como no mercado de DVD.
Nascido em 1962 na tristemente célebre cidade de Da Nang, o jovem futuro cineasta viveu a sua infância em Saigão (hoje Ho Chi Minh). Em 1975, fugia com a sua família para França após a queda de Saigão sob o domínio dos norte-vietnamitas e perante o inevitável colapso e retirada das tropas americanas das terras meridionais da Indochina, encurraladas a oeste pelos khmers vermelhos cambojanos. Hoje, aquele rapaz que nasceu sob o estridor das bombas, dos gritos de martírio de uma população dizimada e o “cheiro a napalm pela manhã” (ou odor?), é um cidadão francês de pleno direito e um dos mais ilustres realizadores da inimitável indústria asiática de cinema.
Em Portugal, Tran Ahn Hung é sobretudo conhecido pelo seu maravilhoso filme de estreia, O Odor da Papaia Verde (Mùi du du xanh, 1993), que lhe valeu a nomeação para o Óscar para Melhor Filme Estrangeiro em 1994 (perdê-lo-ia para o mediano Belle Epoque do realizador espanhol Fernando Trueba) e que antes lhe havia permitido a saída do quase anonimato – embora já tivesse dado que falar com as suas duas curtas-metragens anteriores – ao vencer o Caméra d’Or no Festival de Cannes de 1993 – júri nesse ano presidido pela actriz Micheline Presle, a volúvel “Marthe Grangier” de Radiguet levado à grande tela pelo infame Claude Autant-Lara.
De lá para cá, Tran Ahn Hung realizou dois filmes notáveis: Cyclo (Xich lo, 1995) e “Em Pleno Verão” (título possível em português; Mua he chieu thang dung / À la verticale de l'été, 2000); o primeiro com projecção limitada no nosso país, o segundo nem sequer viu a luz da projecção em solo luso – valha-me o mercado espanhol que permitiu aprofundar a minha admiração pelo notável esteta asiático. Com o assombroso e brutal Cyclo, o realizador franco-vietnamita conquistou o Leão de Ouro no Festival de Cinema de Veneza em 1995 (Bienal de Veneza) – curiosamente, como é demais conhecido, um evento anual quase desde a sua fundação em 1932 – derrotando, entre outros, o nosso João César Monteiro, o recentemente falecido Claude Chabrol, Ettore Scola, Spike Lee ou Hirokazu Koreeda.
Em 2008, o cineasta asiático aventura-se no domínio do inglês, com uma produção multinacional (britânica, chinesa, espanhola, francesa e irlandesa), e cria I Come with the Rain (“Venho com a Chuva”, tradução possível para a nossa língua), tendo por protagonista o sex symbol norte-americano Josh Hartnett (que o interpretou ainda embalado pelo reconhecimento público do personagem-tipo em A Dália Negra de Brian De Palma) e a jovem estrela da televisão japonesa Takuya Kimura. Trata-se da 4.ª longa-metragem do autor vietnamita, cuja cópia se dissipou, misteriosamente, no éter dos circuitos comercial e independente de cinema, com estreias modestas no Extremo Oriente, estando apenas disponível no lado ocidental por vias esconsas e pouco recomendáveis em nome do cumprimento da lei. Há quem assegure que foi o próprio Tran Ahn Hung que procurou esse fim face à implacável rasoira de alguns sectores importantes da crítica internacional, apesar de terem surgido outras bastante positivas, as más foram suficientemente arrasadoras, e logo para a obra que marcou o regresso do cineasta ao grande ecrã após oito anos de ausência – se houver oportunidade, direi de minha justiça sobre este filme em que nos assomam sentimentos de amor e ódio quase simultâneos.
Uma curiosidade: todos os filmes contam com a presença da actriz vietnamita Yenkhe Tran Nu (n. 1968), assume o papel de mulher do realizador no mundo fora da tela: bela, de uma transcendência exótica difícil de definir com o seu sorriso enigmático de Mona Lisa, de gestos dóceis, lentos e de uma perfeição estudada, porém graciosa e profunda, de um equilíbrio oriental nos momentos mais frementes e buliçosos.
O que é Tran Ahn Hung?
Imagens fortes, com toda a carga polissémica do qualificativo: verdes deslumbrantes – a natureza húmida do Vietname; a iridescência bruxuleante e voluptuosa da gastronomia oriental; o suor endémico que escorre por aquela pele de tez acobreada, entre o ébano da Índia e o ebúrneo envelhecido da China. Movimentos de câmara enleantes e claustrofóbicos, como se os nossos olhos deambulassem por um mural gigantesco, incapaz de ser captado na sua plenitude pela insolúvel finitude espacial congénita do nosso campo visual – uma sensação de confinamento, que Tran Ahn Hung solta com mestria nos momentos adequados, mostrando-nos o pormenor que não nos poderia escapar. Os silêncios que nunca são mudos, sempre matizados pelos sons da fauna local – o chilreio dos pássaros exóticos, o sibilar dos répteis, o coaxar das rãs, o barulho ininterrupto dos mais espantosos insectos –, ou pelo bulício de uma metrópole babélica, como em Cyclo – o marralhar dos comerciantes, os escapes estridentes das motocicletas, a chiadeira dos travões dos táxis, o gotejar do desespero na solidão do lar degradado: a humidade, as lágrimas, o suor e o sangue. A banda sonora que irrompe mansamente para depois desaparecer de forma abrupta, regressamos ao silêncio, como alerta simbólico para o brotar de uma mensagem forte, que tem de ser retida, pode tratar-se de um desenlace perturbador – como com “Creep” dos Radiohead em Cyclo – ou das entrelinhas de uma emoção inconfessável, o despertar para um tabu pronto a ser quebrado – como com “Pale Blue Eyes” ou “Coney Island Baby” dos Velvet Underground e Lou Reed, no filme “Em Pleno Verão” – ou a paixão ardente, porém inocente, paciente, feita de uma longa espera mas pronta a eclodir, a derrubar os muros das convenções e estratos sociais – o 3.º andamento da Suite Bergamasque de DebussyClair de Lune”, ou o arrebatamento dos dois últimos prelúdios para piano de Chopin, em O Odor da Papaia Verde. A violência gráfica de “Venho com a Chuva” atinge os seus momentos culminantes com três faixas dos Radiohead, todas retiradas de álbuns diferentes: “Nude” (In Rainbows, 2007); “Climbing Up the Walls” (OK Computer, 1997); e “Bullet Proof..I Wish I Was” (The Bends, 1995).
E agora vem aí Jonny Greenwood com Murakami e os seus Beatles
[Na imagem: “Lien” (a irmã mais nova) por Yenkhe Tran Nu e “Hai” (o irmão) pelo actor Ngo Quang Hai, dançando ao som de “Coney Island Baby” de Lou Reed, em Mua he chieu thang dung – À la verticale de l'été, 2000.]
--- Fim da parte I (a parte II, a razão de ser deste texto, para quando houver tempo) ---

sábado, 25 de setembro de 2010

Náuseas Imperiais

Lisboetizando-me, trata-se daquelas carregadas de cevada, a cheirar a fermentação e a um insistente processo de levedação, alcoolicamente proibitivas, denunciadas pelo cheiro a benzina, pela dor de cabeça latejante e o inevitável vómito biliar que se nos apresenta de forma eruptiva no dia seguinte.
É assim o último romance do chavalo BEE da cidade dos anjos que resolveu repescar o seu sucesso de há 25 anos e escrever no mesmo estilo incipiente e cadavérico, perdoável, e até honorável, num jovem de vinte anos que se atirou de cabeça no mundo literário para contar as suas vacuidades burgueso-criminosas sob a forma de pseudónimos e sexos trocados, todavia inadmissível num jovem de 46 anos que não aprendeu a lidar com os seus traumas.
Mas se a história é deploravelmente enjoativa, a sua tradução para a nossa língua é repulsiva. Não há página, entre as 177, com letra de tamanho 12 e espaço e meio entre linhas, que não tenha o seu erro de palmatória em língua portuguesa. É o advérbio “demais” usado e abusado quando se pretende referir o excesso de alguma coisa; é o verbo “haver”, impessoal na sua acepção de “existir”, apresentando nesta situação formas verbais em todas as pessoas do singular ao plural; é a inconsistência no uso do “porque” e do “por que”, já de si uma fonte de polémica entre linguistas nacionais; é a terceira pessoa do presente do indicativo do verbo “vir” – “vêm” – substituída, quiçá por problema oftalmológico do tradutor, por “vêem”; são às dezenas as passagens de discurso directo ao indirecto que estão por assinalar devidamente pelo escolhido travessão, ou então, são incontáveis as vezes em que os diálogos são todos processados num só parágrafo, numa orgia gráfica entre “vírgulas”, “pontos finais” e “travessões” que fariam corar o José Castelo Branco, até pela terceira via de “género”; e, parafraseando este último, até é fino que apareça “New York” ao invés da forma portuguesa da Grande Maçã, “Nova Iorque”; mas depois vem o “112” em vez do “911”, o que é admissível, no entanto incoerente, e mesmo aviltante, quando se traduz a referência do narrador na página 114 que esteve “à porta do ER em Cedars-Sinai” (pág. 114) – o “ER” são as “urgências” e o “Cedars-Sinai” o famosíssimo hospital-universidade de Los Angeles, e não uma sala VIP de um clube nocturno exclusivo de Hollywood.
Um Nausef. E pronto. Acabei de tomar um antiemético muito conhecido sem nada receber por isso, nem uma viagem a um importante congresso à República Dominicana.
Referência bibliográfica
Bret Easton Ellis, Quartos Imperiais. Lisboa: Teorema, Agosto de 2010, 177 pp. Tradução de José Luís Luna, com revisão de José Costa; obra original: Imperial Bedrooms, 2010.

sábado, 18 de setembro de 2010

Círculo Vicioso Infernal

Ouvir em continuous playAfraid of Everyone”, repetindo para mim mesmo, como uma decisão irrevogável, I’ll defend my family with my orange umbrella (e sobrevém-me em pensamento uma irritação pela estupidez nacional: weary of the punctured and rotten pink one).

domingo, 12 de setembro de 2010

Claude

Claude Chabrol
(24 de Junho de 1930 – 12 de Setembro de 2010)
É o segundo a partir este ano, e do grupo de cinco, já só restam dois, os “jotas”: Jacques e Jean-Luc. Claude Chabrol morreu hoje na sua Paris natal.
Conjuntamente com François Truffaut (1932-1984), Eric Rohmer (1920-2010), Jean-Luc Godard (n. 1930) e Jacques Rivette (n. 1928), Chabrol foi um dos pais fundadores do denominado movimento do cinema francês da “Nouvelle Vague”, cuja semente provém da revista Cahiers du Cinéma, onde o quinteto, fomentado pelo seu fundador André Bazin, escrevia artigos de crítica, e cujas arte, visão e estética se materializariam em centenas de filmes que, a partir do final da década de 50 do século passado, marcaram em definitivo o rumo do cinema francês e europeu, com fortes repercussões do outro lado do Atlântico.
Deste grupo, Chabrol foi o seu elemento mais prolífico começando com o notável Um Vinho Difícil (Le beau Serge, 1958) e terminando com Bellamy (2009) – com promessas de estreia em Portugal nunca concretizadas.
Não escondo, e nunca escondi, a minha predilecção por Rohmer e por Chabrol, apesar de a reverência ao Mestre Godard ser unânime no mundo da intelectualidade, de a marca de originalidade ser normalmente atribuída a Rivette e das superioridades técnica e estética usualmente apontadas a Truffaut. Chabrol, para além do mais produtivo, era também o mais comercial – ou mainstream, como alguns gostam de chamar – de entre os cinco: o Hitchcock de Paris.
Muito poderia, aqui e agora, destacar do excelso parisiense que hoje partiu – embora nos tenha deixado altruisticamente a sua arte para ser contemplada –, são incontáveis os filmes que dele apreciei e reapreciei com deleite, mas irei apenas destacar o último original da sua filmografia que pude ver (o seu penúltimo), e por este ter sido quase negligenciado pela crítica: o excepcionalmente belo e desesperante A Rapariga Cortada em Dois (La fille coupée en deux, 2007) com a bela, sensual e lúbrica Ludivine Sagnier e o meu mui estimado François Berléand (onde já não apareceu a sua musa Isabelle Huppert):

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Carey para o “Tri”

Hoje, à hora do almoço, Andrew Motion, presidente do júri do Booker Prize 2010, anunciou a habitual lista dos seis romances finalistas, candidatos a receber o mais prestigiado galardão a premiar uma obra de ficção de língua inglesa publicada originalmente na Commonwealth ou na Irlanda.
Peter Carey consta da lista, curiosamente com o único romance de entre os restantes finalistas que até agora teve o privilégio de ser editado em Portugal (Gradiva), Parrot e Olivier na América (Parrot and Olivier in America), um pretendente a calhamaço com quase quinhentas páginas; uma comédia, por vezes picaresca, sob um pano do fundo dramático e sério da liberdade e da democracia na América, que retrata as relações entre Alexis de Tocqueville e um seu criado.
Eis a lista completa de finalistas, retirados do “Booker’s Dozen” anunciado em finais de Julho:
  • Peter Carey, Parrot e Olivier na América (ed. port. Gradiva; Parrot and Olivier in America)
  • Emma Donoghue, Room
  • Damon Galgut, In a Strange Room
  • Howard Jacobson, The Finkler Question
  • Andrea Levy, The Long Song
  • Tom McCarthy, C
Fazendo fé nos prognósticos da opinião literária publicada, Carey – escritor australiano, radicado nos Estados Unidos –, prepara-se para ser o primeiro romancista a alcançar o “TriBooker” (expressão obviamente minha), ou seja, a vencer o Booker Prize por três vezes (ler aqui para mais informação), desde a sua instituição em 1969. O único escritor que estaria nessas condições seria o Nobel da Literatura de 2003, o escritor sul-africano, radicado na Austrália, J.M. Coetzee, que venceu o dito prémio em 1983 e 1999.
E assim vão as glórias do mundo, eu, um luso radicado na lusitana imundície, com longas e felizes escapadelas por outros reinos da Ibéria, que até nem aprecia muito o autor australiano, não poderia deixar de manifestar a minha raiva – vá lá, comedida, já que se trata apenas de um prémio, e um bom leitor ou entendido do assunto literário jamais deverá render-se a essa coisa kitsch de prémios, meras sinecuras diletantes – pela não presença, nem sequer na dúzia de frade anterior de dois excelentes romances ingleses publicados este ano: Solar de Ian McEwan e A Viúva Grávida (The Pregnant Widow) de Martin Amis.
Há quem diga, usando a técnica futebolística de caracterização dos fenómenos, sejam eles de que índole for, é apenas o Booker in Motion.